CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL DE IDOSOS ACOMETIDOS POR AIDS NO BRASIL NOS ÚLTIMOS ANOS
Resumo
Introdução: No Brasil, atualmente, cerca de 10% da população geral corresponde a pessoas com idade acima de 60 anos e há estimativas de aumento para cerca de 30% em 2050, devido, principalmente, ao aumento da expectativa de vida e a redução da mortalidade da população.
Assim, o prolongamento da vida sexual também é uma realidade para esse grupo¹. Pois, apesar do estereótipo de pessoas idosas assexuadas, estudos indicam que indivíduos nessa faixa etária estão envolvidas em um ou mais relacionamentos sexuais, contradizendo esse estereótipo² e é natural, já que a sexualidade é uma das necessidades básicas inerente ao ser humano e deve ser vivenciada em sua plenitude em todas fases da vida³. Entretanto, recentemente tem se tornado evidente um aumento considerável de idosos infectados pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, uma doença sexualmente transmissível descoberta em meados dos anos 80. Durante muito tempo esse grupo etário não foi caracterizado como vulnerável e as campanhas de prevenção destinadas a ele eram escassas, o que pode ter contribuído para a dificuldade em aderir a métodos de prevenção, como o sexo seguro4. Isso se torna um problema, pois acredita-se que a pouca discussão sobre a sexualidade desse grupo e consequente baixa conscientização, o prolongamento da vida, a manutenção da atividade sexual por um período maior, práticas sexuais inseguras, além de maior sobrevida dos pacientes soropositivos, pode influenciar no aumento da prevalência de AIDS nessa faixa etária5. Assim, o objetivo desse estudo foi definir o perfil de idosos notificados com AIDS no período de 2000 a 2019 no Brasil, de forma a possibilitar a elaboração de estratégias de prevenção e assistência mais eficazes e direcionadas a este grupo. Metodologia: Trata-se de um estudo ecológico, cujos dados foram obtidos através das bases de dados do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan), Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8 e Carga Viral (Siscel) e Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) no período de janeiro de 2000 a junho de 2019 em todas as regiões do Brasil. Foi selecionado o grupo de indivíduos na faixa etária acima de 60 anos, em subdivisões de “60 a 69 anos”, “70 a 79” e “80 ou mais” e considerando o sexo. Foram extraídas as seguintes informações: quantidade de casos notificados, região notificada, frequência, escolaridade, via de transmissão sexual e orientação sexual. Os dados colhidos foram analisados através de estatística descritiva, considerando cálculos de frequências absolutas e percentuais, utilizando-se da plataforma Microsoft Excel 2007.
Resultados e discussão: Foi observado que no período entre janeiro de 2000 e junho de 2019,
houve um total de 20.973 casos de notificação de HIV em indivíduos a partir dos 60 anos no Brasil. Comparando o ano de 2000 com o ano de 2018 (último ano com dados completos), houve um aumento de 3x o número de casos, com um progressivo crescimento de notificações por ano. Esse avanço da AIDS nos idosos está relacionado a fatores ligados à sexualidade como: aumento da atividade sexual entre os idosos, a disposição de tecnologia que melhora e prolonga a performance sexual, e a resistência em usar o preservativo6, além de fatores populacionais, em que se observa uma maior expectativa de vida na população associada a melhoria na qualidade de vida e a expansão da terapia antirretroviral, que possibilita o envelhecimento de indivíduos soropositivos5. Dentre o total de casos, 81,1% foi notificado na faixa etária de 60-69 anos, 15,3% entre 70-79 anos e 2,4% acima dos 80 anos, demonstrando um predomínio de idosos jovens. É importante considerar que pelo menos uma parte da população estudada pode ter se infectado antes dos 60 anos, uma vez que o diagnóstico nesta faixa etária muitas vezes só é feito quando a imunodeficiência já está instalada, podendo ocorrer um lapso de 5 a 10 anos entre o momento da infecção e a notificação da doença6. Durante esse período, a prevalência foi maior para o sexo masculino, com 61,7% dos casos, enquanto que para o sexo feminino, a prevalência foi de 38,3%. Porém, ao analisarmos apenas os casos de transmissão sexual, o total de mulheres corresponde a 43,3%, destacando a vulnerabilidade feminina e feminização da epidemia7. Em relação à forma de contágio, 77,4% dos casos foram decorrentes da via sexual. Destes,, 87,7% ocorreram em indivíduos com orientação heterossexual e em todos os períodos analisados, a categoria heterossexual correspondeu a um valor acima de 80% dos diagnósticos em idosos. Os homens heterossexuais são o maior grupo com casos, correspondendo a 45% do total, seguido pela mulher heterossexual (42,7%). O terceiro grupo mais prevalente são o de homens que se relacionam com homens (homo e bissexuais), com um valor de 11,6%. Este dado corrobora com a tendência de heterossexualização da epidemia de AIDS e é essencial para o entendimento epidemiológico da doença, no entanto, a transmissão entre homens homossexuais ou bissexuais permanece relevante no tocante à prevenção4. Na análise de frequência por escolaridade, foi observado que um grande número de idosos possuem baixa escolaridade, uma vez que 66,8% apresentavam um nível de estudo até no máximo o fundamental incompleto, o que pode dificultar a compreensão e o acesso às informações de saúde, já que o nível de escolaridade influencia na autonomia do indivíduo para buscar informações, tornando esta população marginalizada e vulnerável à infecção2. Em contrapartida, indivíduos que concluíram o ensino superior correspondem a apenas 8,8% dos casos. Além disso, no período assinalado, houve maior número de casos na região Sudeste, correspondendo a 45,37% do total de casos. A segunda região com mais notificações foi a região Sul, com 26,34% do total e, em seguida, as regiões com maior número foram Nordeste, Centro-Oeste e por último a região Norte, sendo estas informações necessárias para a adoção de estratégias de ação em saúde. Conclusão: A epidemia de HIV/AIDS no indivíduo idoso tem se mostrado um problema cada vez mais relevante para a saúde pública. Para a adoção de estratégias eficazes no combate ao problema, é essencial caracterizar os indivíduos que apresentam maior risco de contrair a infecção. Neste estudo, foi constatado que o perfil mais prevalente do idoso acometido é do sexo masculino, entre 60 e 69 anos, heterossexual, com baixa escolaridade e transmissão por via sexual. Desta forma, há necessidade de ampliar as medidas preventivas dirigidas a esse grupo, como ações educativas, de proteção à saúde, diagnóstico precoce e tratamento5, a fim de possibilitar o controle da epidemia e a redução da morbimortalidade por AIDS na terceira idade.
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