COMPROMETIMENTO NA FUNCIONALIDADE PIORA A MODULAÇÃO AUTONÔMICA E A QUALIDADE DE VIDA EM INDIVÍDUOS COM DOENÇA DE PARKINSON?
Resumo
Introdução: a doença de Parkinson (DP) é a segunda doença mais comum dentre as afecções neurodegenerativas e acomete cerca de 2% dos indivíduos com mais de 60 anos1. Ela está associada a diversas complicações motoras, que provocam prejuízos na funcionalidade e uma consequente redução na qualidade de vida2. Além disso, destaca-se ainda a presença de alterações autonômicas, que além de ser um dos fatores determinantes da qualidade de vida, podem estar também relacionadas à função motora desses indivíduos3. A literatura aponta que a funcionalidade de indivíduos com DP apresenta declínios expressivos com a progressão da doença e tende a piorar com o aumento da idade2. Nesse cenário, diversas ferramentas se provaram eficazes para a avaliação da funcionalidade. O Timed Up and Go (TUG), por exemplo, é um teste não invasivo e de fácil execução, que possui alta reprodutibilidade e é comumente utilizado para avaliar a funcionalidade em indivíduos com DP4. Considerando os aspectos acima descritos, investigar se o comprometimento da funcionalidade avaliado pelo TUG pode estar relacionado a piores índices de qualidade de vida e modulação autonômica é relevante. Informações como estas fornecerão estimativas sobre a modulação autonômica e a qualidade de vida desses indivíduos de forma prática e acessível, o que favorece sua aplicação na prática clínica. Diante disso, o objetivo desse estudo foi avaliar o impacto do comprometimento da funcionalidade na modulação autonômica e na qualidade de vida em indivíduos com DP. Hipotetizamos que indivíduos com pior funcionalidade apresentarão pior qualidade de vida e modulação autonômica em comparação aos indivíduos com melhor funcionalidade. Metodologia: estudo observacional de coorte transversal no qual foram avaliados 28 voluntários diagnosticados com DP, os quais foram divididos, conforme o tempo obtido no Timed Up and Go (TUG)5, em dois grupos: menor comprometimento (G1: n= 14; TUG: 10,90±1,34 segundos; 72,55±7,38 anos; 13 homens e 1 mulher) ou maior comprometimento
(G2: n= 14; TUG 16,72±4,45 segundos; 70,80±9,46 anos; 11 homens e 3 mulheres), considerando valores abaixo da mediana e valores que incluíram a mediana (12,44 segundos) e acima dela, respectivamente. Não foram incluídos indivíduos tabagistas, etilistas, que apresentassem infecções, doenças cardiovasculares e respiratórias conhecidas que pudessem interferir no controle autonômico cardíaco, ou aqueles que não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, voluntários que apresentaram erros nas séries de intervalos RR superiores a 5% foram excluídos. O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da instituição (CAAE: 71395617.7.0000.5402). O protocolo experimental foi dividido em duas fases, as quais foram realizadas na fase “on” da medicação antiparkinsoniana. Na primeira fase, foram coletados
os dados pessoais dos voluntários, feita a avaliação da funcionalidade por meio do TUG5, e
aplicado o Questionário PDQ-396 para a avaliação da qualidade de vida. Na segunda fase, executada após 24 horas, foi realizada a avaliação da modulação autonômica por meio da variabilidade da frequência cardíaca (VFC). Para essa avaliação, os voluntários foram orientados a não consumirem substâncias estimulantes como café, chá e achocolatados e a não realizarem exercícios físicos no período de 12 horas prévias a essa fase do protocolo. Foi posicionada no terço distal do esterno do voluntário uma cinta de captação e, no punho, um cardiofrequêncímetro Polar RS800CX (Polar, RS800CX, Finlândia)7. Os voluntários foram orientados a permanecer em repouso, com respiração espontânea, e em decúbito dorsal em uma maca por 30 minutos. Da série de intervalos RR obtida foram selecionados 1000 intervalos RR consecutivos8 para cálculo de índices lineares nos domínios do tempo (RMSSD e SDNN) e da frequência (LF, HF em milissegundos quadrados (ms2) e unidades normalizadas (um) e LF/HF) e índices não lineares de VFC (SD1, SD2 e SD1/SD2). As coletas foram realizadas em uma sala e um corredor com ambiente climatizado, com temperatura entre 21° C e 23° C, no período da manhã. Para a comparação entre os grupos, inicialmente foi testada a normalidade dos dados pelo teste de Shapiro-Wilk. Para dados normais, foi utilizado teste T de Student independente, e, para dados não normais, Teste de Mann-Whitney. Os dados foram analisados segundo o pacote estatístico SPSS, 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA), e o nível de significância adotado foi de 5%. Resultados e discussão: em relação à análise da modulação autonômica, foram encontrados menores valores de SDNN (40,56±20,33 vs. 25,24±10,40; p=0,02) e SD2 (55,12±29,11 vs. 33,54±13,73; p=0,02) para o G2 em comparação
ao G1. Para os outros índices de VFC não foram observadas diferenças significantes entre os grupos (p>0,05). Esses resultados sugerem que os voluntários do G2 apresentam uma redução da variabilidade global, revelando que o comprometimento da funcionalidade pode estar associado a pior modulação autonômica global nesses indivíduos. A literatura ainda é inconsistente sobre a relação entre a função motora e os prejuízos na modulação autonômica na doença de Parkinson, porém, de acordo com Ogliari et al.9, indivíduos idosos com pior desempenho funcional possuem menor VFC, o que vai de encontro com os resultados do nosso estudo. Não foram encontradas diferenças significantes para a qualidade de vida avaliada pelo PDQ39 (50,79±24,13 vs. 62,57±27,73; p=0,24) entre os grupos, entretanto, valores mais altos podem ser observados para o G2, sugerindo pior qualidade de vida nesses indivíduos. Corroborando com os nossos achados, Gökçal et al.10 encontraram que sintomas motores como os distúrbios na marcha, que afetam a funcionalidade do indivíduo, possuem impacto negativo sobre a qualidade de vida. Conclusão: os resultados revelam que a modulação autonômica e a qualidade de vida podem ser negativamente influenciadas pelo comprometimento da funcionalidade em indivíduos com DP.
Referências
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